Xaréu

Breu… De repente, faz-se a luz! Feixes multicoloridos cortam o espaço sobre nossas cabeças e pintam a tela a nossa frente de cores ou tons de cinza, mas acima de tudo de sonhos, emoções, idéias, sentimentos. Bem-vindos ao CINEMA! Besteira uma imagem dizer mais que mil palavras… Nos filmes quase sempre elas estão juntas e junto delas há música, ruídos, gemidos de prazer e de almas… Às vezes há quadros, prédios, dança, livros, poesia… Quase todas as artes cabem numa só, numa confluência expressiva capaz de dizer tanto, tanto! E nós aqui, sozinhos, no breu frontal a tela, nos permitindo, esquecendo o tempo e a vida, saltando no escuro para dentro de nós mesmos, levando conosco uma nesga das imagens que dançam com a menina dos olhos.
Eu quis tocar você com as imagens que fiz. Quis dividir algo que me escapa, que me expande. Quis que sonhássemos juntos, ao menos nos instantes projetados, já que aqui, do lado de cá da tela, no mundo real de carne, osso, sangue – e quanto sangue – suor, cimento e pedra.. Aqui, tá cada vez mais difícil sonhos e projetos coletivos, sermos coletivos, sermos mais que nossos próprios umbigos sedentos de algo menos mesquinho e medíocre.
E as lágrimas correm… No rosto da atriz na tela e também no meu… Protegido pelo breu… Salgadas elas, você sabe bem…
Há cada vez mais filmecos adocicados, rançosos, globais, entorpecedores, tentando nos convencer a consumir, consumir… E que, no entanto, nos esvazia, nos torna ocos, secos, sós… Põem nossa espontaneidade em coma profundo, nos impõem máscaras que vestimos e usamos por aí, todos os dias, uns com os outros, com nossos amigos, nossos amores… Quando vemos a máscara já está pregada à cara, já nos roubou o que éramos, só nos resta ela e a ela nos apegamos com um amor submisso, quase canino, somos ela, tornamo-nos ela… A farsa venceu!
No entanto o cinema é salgado! Casa-se bem com as lágrimas, mas também com o mar, com a nossa profundidade e a dos oceanos… É o sal de prata a substância existente na película que a torna sensível à luz e permite capturar as imagens e o tempo, aprisioná-los. O sal também está no DNA do nosso cinema. Em 1898, quando Alfonso Segreto trazia para o Brasil a primeira filmadora, ao entrar na Baia de Guanabara, girou a manivela. Nascia sobre as águas o cinema brasileiro.
Com tanta intimidade assim entre o mar e o cinema, Arraial, mais que qualquer outro lugar do mundo se credencia a ser amante do cinema, a abraçá-lo, a bejá-lo sofregamente, a torná-lo grávido e fazê-lo parir filhos rebeldes e lindos. Nosso mar é daqueles que tiram o fôlego não só de quem mergulha, mas também de quem olha… Emociona, encanta, revolve por dentro… Nos atinge em cheio e nos marca pra sempre mesmo antes de nos salgar a pele… Assim como o cinema.
O Cinema Novo, até hoje o principal movimento do cinema brasileiro, nasceu aqui em nossas praias. Arraial do Cabo (1959), de Paulo César Saraceni, é considerado por todos o seu marco inicial. No próximo dia 14 de novembro de 2008, estaremos criando o Cineclube Xaréu.
Uma página a mais nessa história cabista de mar e de amar” o cinema, de cinemar. Desse mar que nos dá tudo vem também o sabor, a fluidez e a agilidade do xaréu, esse peixe pleno de nobreza que está tão entranhado na cultura popular local que virou carinhoso apelido do ser humano cabista e agora batiza nosso cineclube..
Este é um convite raro. Igual a este só há 40 em todo o universo! A intenção do Cineclube Xaréu é, no entanto, tornar menos raros nossos encontros prum bom bate-papo regado a bons filmes, bem diferentes daqueles feitos pelo “Dragão de Roliúdi”. Filmes brasileiros, latino-americanos ou de qualquer parte do mundo. Sempre difíceis ou mesmo impossíveis de serem achados nas locadoras por aí… No entanto, um cineclube feito por seres tão descontentes com a mesmice, a pasmaceira e a babaquice globalizada, não quer apenas provocar encontros entre espectadores. Quer também que façamos nossos próprios filmes, c

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